segunda-feira, 13 de maio de 2013

O Não ao espelho! – 13X06 - A Historia de Luiz Fellype Ribeiro




 
Uma dança pode ser muito leve, moderada, milimetricamente desenhada como os giros eternos de uma bailarina. Pode ser sensual quando une o corpo e alma em busca de passos de sedução. A dança expressa o ódio, a dor e a pressão e cada um desses elementos podem ser vividos diariamente no percurso de todo ser humano. Desde que existe uma vida, existe uma dança a embalar cada momento, mesmo os mais desafiadores.

Luiz Fellype conheceu momentos desafiadores, mas quando olhava ao seu redor somente enxergava o inverso de suas realidades e a elas delegava seus sonhos: a fama, o glamour, o sucesso em si. Mas também conhecera a face de muitos desses sentimentos e percebeu que eles evaporam rapidamente se não houver realmente uma consistência em seu real valor.

Na Abamba, os meninos do Barão se reconheciam pelos medos que vivenciaram, pelas cicatrizes deixadas, pelas torturas psicológicas que já foram submetidos e, principalmente, as asas cortadas e muitas delas deformadas pela total castração de seus sonhos e afetividades.

E um passa a ser um espelho para o outro e as vidas passam a se reconhecer e os medos passam a serem domados e os sonhos alimentados em cada novo movimento. A dor de um era única, mas com conteúdos muito semelhantes, como os nós que foram atados dentro da Terra castradora do Não. E os nós da vida são apenas reparados se você retornar ao ponto do ato e imediatamente usar o mesmo não como forma de expulsar a mão opressora que desnorteia os sentidos. Reunir todas as mágoas, todos os medos, todos os preconceitos e expulsá-los definitivamente de suas vidas, isso exige uma operação conjunta e os meninos do Barão tinham esse desejo em comum: libertar-se da mão opressora que desnutre o potencial inerente de cada um deles.

E eles fazem de cada um dos exercícios cênicos, uma expressão de libertação e assim nutrem suas essências, deixam fluir o seu verdadeiro eu e trabalham arduamente pela conquista de seus sonhos. Alguns não aguentam o peso da própria vida e se entregam aos vícios. Luiz não tem preconceito algum de falar isso abertamente e isso também o fez ver o lado escuro da vida para apreciar com muito mais dignidade o lado claro e límpido, e perceber que cada uma das suas realidades poderiam ser recicladas, repaginadas, invertidas e que em suas mãos estava o destino que ele desejaria seguir.

E quem conhece alguns trechos do maravilhoso poema de Castro Alves O navio negreiro sabe que ele descreve com imagens e expressões terríveis a situação dos africanos arrancados de suas terras, separados de suas famílias e tratados como animais nos navios negreiros que os traziam para ser propriedade de senhores e trabalhar sob as ordens dos feitores. Cada um dos meninos em cena poderia conter um dos sentimentos que tinham em cada uma das estrofes daqueles versos de Castro Alves. Ele aprendiam com a arte e com a dança dores parecidas e em cada apresentação podiam expulsar os terríveis Nãos que também afligiam suas vidas.

Dessa vez o mesmo Não deixava de ser uma arma de acusação para se tornar uma excelente arma de defesa das libertações. A coragem de dizer Não ao passado e começar um novo presente. O desafio de com o Não impor seus limites. O esplendor de dizer Não ao não, encher o peito e desbravar as portas que impedem a passagem real para o outro lado da história, onde ele se projetou. Ser quem se verdadeiramente é, sem medos, sem amarras, sem medo de correr e saltar no centro do palco e se curvar para a plateia que não se mede em pensar, e sim apenas sentir o impacto do movimento no seu próprio ser. A primeiridade como diz os princípios da semiótica, pela visão de Charles Sanders Peirce, que significa: Primeiridade – a qualidade da consciência imediata é uma impressão (sentimento) in totum, invisível, não analisável, frágil. Tudo que está imediatamente presente à consciência de alguém é tudo aquilo que está na sua mente no instante presente. O sentimento como qualidade é, portanto, aquilo que dá sabor, tom, matiz à nossa consciência imediata, aquilo que se oculta ao nosso pensamento. A qualidade da consciência, na sua imediaticidade.

Mas uma das características de todo ser humano é ultrapassar seus próprios limites e o coreógrafo e bailarino, Beto Regina, mentor dos meninos, sabia que o seu projeto era apenas um início para uma longa estrada que cada um deles desejasse traçar e Luiz Fellype não se acomodou.

Na manhã da última apresentação da temporada, em uma cidade da região de Campinas, Luiz recebeu um telefonema que fora selecionado para um dos testes finais para integrar a companhia do renomado bailarino Ismael Ivo, um dos grandes nomes da dança contemporânea no mundo. O primeiro impacto foi o pensamento viciado do não, que isso seria impossível, mas sua determinação o fez realizar a apresentação com grande estilo e lançar a meta de fazer o seu melhor e se dedicar ao máximo para ser um dos escolhidos para integrar o grupo e seguir rumo ao exterior compor o seu novo espetáculo.

No dia do teste, Luiz Fellype se nutriu de coragem e desafiou cada uma das etapas, confiante em desempenhar seu melhor papel. As etapas foram se encerrando e chegando perto do momento da decisão e da escolha. Mas no momento final, a luz da esperança escureceu e ele não foi selecionado.
“Um vazio enorme tomou conta de mim. Minha vida se desfez em questão de um segundo, um não, uma não aceitação e um sonho encerrado. Não conseguia me movimentar, meu corpo travou e as lágrimas começaram a cair sem controle, quase me levando ao desespero. Não consigo lembrar o tempo que permanecei ali imóvel, em total escuridão, sem saber qual passo dar no momento seguinte. Mas um relampejo de vida tomou conta de mim e fui ao encontro de Ismael e pedi com toda força do meu ser que me desse mais uma chance. Ali foi a prova que um Não, não era um fim, mas sim um recomeço. Ismael olhou nos meus olhos e me elogiou, principalmente pela sinceridade, mas as palavras que me sensibilizaram foram: – Você é um excelente bailarino, maravilhoso, mas ainda é um pombo, que sabe voar lindamente, mas eu quero que você desenvolva o voo de uma serpente. Eu quero uma serpente no palco Cresça e se desenvolva por mais um ano. Ano que vem você vem com a gente .”

Ele experimentou a força do Não como uma forma de renovação e partiu com a certeza de estudar ainda mais e buscar a serpente que Ismael citara, dentro de si. O abraço do amigo e incentivador Beto Regina, o colocou de volta ao desafio e ele não se entregou a dor, inevitável no seu antigo “EU” quebrou a casca do sentimento de inferioridade e foi em busca da lapidação.
O pombo e a serpente
Traçar um novo caminho
Subir degrau por degrau
o vale alto da superação
Vários obstáculos separam o sonho do real
O voo e a queda
Os tropeços
As dores físicas e emocionais
Muitas vezes os pequenos descompassos
Remetem-nos novamente ao chão
Desassossego e desilusão
Momento de respirar
Inspirar e novamente se levantar
Uma mão conduz outra
E se forma uma rede de faces identificadas
Dores compartilhadas pela sensibilidade de passos
Em constante movimento
E em ciranda começaram a girar
Se entrelaçar e se experimentar
A possibilidade de mudança
Constatação de fatos vistos de outros ângulos
E como em um grande baile colorido pelas diversidades
Cada um começa a desenvolver seus passinhos
Uma celebração proveniente da garra individual
A dança das luzes humanizadas
Dança sobre o movimento humano
Dança da superação.
O voo das águias, pombos, borboletas e flores
E no centro da vida, encantada pelo som das brisas
Como uma flauta mágica
A serpente se levanta do chão e começa a levantar
Erguer seu tórax nu sobre o chão
E rodopiar, ganhar mais força e vitalidade
Para sem medo do abismo que separa o ar do chão
Se levantar e seguir sua dança
pelos vastos campos
da sua emoção.
Querendo descobrir
Até onde vai a sede do ser humano
Em constante mutação!
(Márcia Nicolau)

Fonte:

Texto/Entrevista de Márcia Nicolau


 

Luiz Fellype Ribeiro além der ser excelente bailarinho também é filho de Kisimbi, de Mãe Kuianikewa, desta casa Inzo Musambu Rainha das Águas Doce

Um comentário:

  1. Toda vez que leio essa historia eu me emociono,choro horrores, mas depois volto com a certeza de que tudo se resolve, que sempre haverá um recomeço.....
    "Mas é claro que o sol, vai voltar amanhã".....

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