domingo, 19 de maio de 2013

Na diversidade, a dignidade



Publicado em 16/05/2013
Por Karla Maria
17 de maio de 1990, a Organização Mundial de Saúde retira a homossexualidade da lista de doenças. Em 1991, a Anistia Internacional passa a considerar que a discriminação contra homossexuais é uma violação aos direitos humanos.

O Dia Internacional contra a Homofobia é celebrado em 17 de maio. A data foi escolhida lembrando a exclusão da homossexualidade da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID), da Organização Mundial da Saúde (OMS), em maio de 1990, oficialmente declarada em1992.
O termo homofobia quer dizer: medo do homossexual. Na verdade, mais do que medo, muitas pessoas sentem estranhamento, que manifestam, em forma de distância, indiferença, desprezo ou até violência, atitudes estas que ferem os direitos mais básicos, como a dignidade, a segurança e a paz de quem as sofre.

“Senti o preconceito pela primeira vez na escola, me senti diferente”, disse R. G., 16 anos, de São Caetano de Odivelas, no Pará. “Foi na escola, quando tinha meus 10 anos, que eu era chamado de bichinha e era apon­tado como o gay da cidade”, lembra o mineiro A. S., de 25 anos.

Os depoimentos dão vida a números que apontam: em escolas públicas brasileiras, 87% dos alunos, pais, profes­sores e funcionários têm algum grau de preconceito contra homossexuais. O dado divulgado pela Faculdade de Economia, Administração e Con­tabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP) revela que é também na escola, onde se aprende a ver o mundo, que estudantes e educadores homossexuais enfrentam diariamente a homofobia.

Mas a homofobia também está nas ruas, matando. Dados da Secretaria de Direitos Humanos do Governo Federal revelam que, através do ser­viço de denúncias, o Disque Direitos Humanos (Disque 100), todos os dias são registradas 3,4 denúncias de violência contra homossexuais, totalizan­do, somente no ano de 2011, 1.259 denúncias. Em 2010, o Grupo Gay da Bahia (GGB) documentou 266 assassinatos de homossexuais, o que leva ao assassinato de um homosse­xual no Brasil, a cada 36 horas, um número 785% maior que nos Estados Unidos.

Acolhida na igreja − É diante dessa realidade que o jovem R.G. e sua amiga Glendha Mayra Maciel, de 16 anos, ambos da cidade de São Caetano de Odivelas, sugeriram à paróquia, onde frequentam o Grupo de Jovens, a pensar na possibilidade de criar uma Pastoral da Diversidade, que também contempla a realidade do jovem ho­mossexual. “Somos uma comunidade pequena, a Pastoral ainda é um tabu muito grande para nós. Eu falei sobre ela (Pastoral da Diversidade), a ideia foi bem aceita, pois quase todos os jovens já sofreram algum tipo de preconceito, seja porque são negros, gordos ou magros. Vivemos em uma sociedade onde o egoísmo é predo­minante.” Para Glendha, a sociedade ainda é muito preconceituosa. “Existe muito preconceito contra os gays, aliás tenho parentes que são preconceituo­sos. Não sou homossexual, mas desejo que todos sejam respeitados.”

R. G. e Glendha tomam como ponto de partida as orientações da Campa­nha da Fraternidade (CF) 2013, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). A CF propos: “Olhar a realidade da juventude, acolhendo-a com a riqueza de suas diversidades, propostas e potencialidades; entendê-los e auxiliá-los neste contexto de pro­fundo impacto cultural e de relações midiáticas; fazer-se solidária em seus sofrimentos e angústias, especialmente junto aos que mais sofrem com os desafios dessa mudança de época e com a exclusão social”.

Uma porta de acolhida − Iniciativas de grupos católicos têm sido uma porta de acolhida e diálogo pelo mundo. Desde 2007, a Diocese de Westmins­ter, em Londres, Inglaterra, recebia a comunidade gay para celebrar a Eucaristia na Paróquia Nossa Senho­ra da Assunção, no bairro Soho. Em janeiro deste ano, o arcebispo Vincent Nichols decidiu encerrá-las. Para o pároco, monsenhor Seamus O’Boyle, o tempo de trabalho com a comunidade gay foi muito gratificante. “Ver esta comunidade crescer, e fazê-los sentir que poderiam vir à Igreja, e fazer parte da Igreja foi algo muito maravilhoso, mas não interpretado dessa maneira por todos os outros.”

Em comunicado, o arcebispo escla­receu que as missas, em Soho, tenta­ram “estender o cuidado pastoral da Igreja para aqueles que experimentam a atração pelo mesmo sexo”, que era “um esforço para levar a cabo o ensinamento de Jesus, o de amar o próximo”. Em março, definiu-se que novas missas serão celebradas aos domingos, em uma igreja jesuíta, no centro de Londres.

Em São Paulo, um grupo fundado em 2010, chamado Pastoral da Diver­sidade, ainda sem o reconhecimento oficial da arquidiocese celebra a Eucaristia, partilha o Evangelho e acolhe os ho­mossexuais. “A Pastoral vive ainda ‘nas catacumbas’ nas quais consegui­mos existir, nos encontrar, partilhar o Evangelho e nos alimentarmos com a Eucaristia”, disse Lula Ramires, 52 anos, educador e coordenador de Projetos Sociais, que durante sua juventude era católico praticante, mas agora sente forte pre­conceito. “Eu sofri muito na minha vida. Quando você se vê como alguém que está fora, que não cumpre a regra dos demais, da maioria, você se sente muito mal. Foram muitos anos de leitura, de conversas, de encontrar pessoas – dentro e fora da Igreja – que me acolheram pelo que eu era e não por um detalhe da minha sexualidade”, disse Lauro, que segue acolhendo e evangelizando as pessoas no grupo. Sim, evangelizando. “Para mim, hoje, evangelizar é muito mais do que ensinar o catecismo a alguém, pois não é repetindo mecanicamente gestos e orações que chegamos a Deus, mas através do amor que só pode vir d´Ele e que nos faz entender qual é o sentido maior da vida.”

A. S., que também é membro da Pastoral da Diversidade de São Paulo, onde vive há oito anos, lembra que sofreu bastante até se sentir em paz. “No começo foi um susto e sofrimento, mas a graça de Deus foi mais forte. Diante disso, fui ao encontro dos estudos e orientações.”
A. S. destaca que não sentiu pre­conceito na comunidade católica. “Nunca senti preconceito dentro da Igreja, paróquia ou comunidade. Mas concordo que, às vezes, as opiniões de dentro da Igreja são, na sua maioria, duras e não acolhedoras.”

Para o jovem mineiro, os gays não querem um tratamento diferenciado dentro da Igreja Católica, querem ser somente cristãos autênticos e sem pre­cisar mentir. “Na experiência pastoral que tenho, observo que a população Lésbicas, Gays, Bissexuais e Travestis (LGBT) não quer criar um movimento sepa­ratista. Quer partici­par das pastorais, movimentos e servi­ços sociais, de forma transparente e não mentir sobre sua orientação sexual.’’

Em entrevista à imprensa, o cardeal americano Timothy Dolan, presidente da Conferência dos Bispos dos Estados Unidos e arcebispo de Nova York, disse, em 31 de março, que a Igreja Católica ainda tem um longo cami­nho a percorrer para se aproximar da comunidade gay.

“A natureza da Igreja faz com que, al­gumas vezes, estejamos longe das ques­tões que realmente preocupam os fiéis. Queremos a felicidade dos homosse­xuais. Eu os amo, assim como Deus os ama, mas às vezes não somos suficien­temente eficazes para mostrar para a sociedade como Ele nos ensinou, como viver’’, disse o cardeal, insistindo ainda que, para a Igreja Católica, o casamen­to só é válido entre um homem e uma mulher. Os Estados Unidos contam com uma população de 80 milhões de católicos.

O último censo brasileiro não apresenta o número de homossexu­ais declarados no País, no entanto é no dia a dia, nos lares, nas escolas e nas comunidades que se vê o silêncio excludente. O que pede a CF 2013 é que se acolha o jovem em sua diver­sidade, parece um convite urgente e desafiador.

Padre Luís Corrêa Lima, professor do Departa­mento de Teologia da Pontifícia Uni­versidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e membro do programa de pós-graduação sobre História da Igreja, Modernidade e Diversidade Sexual, esclarece: “A Igreja ensina que ninguém é um mero homo ou heterossexual, mas antes de tudo um ser humano, criatura de Deus e, pela graça divina, filho Seu e destinado à vida eterna. Deve-se evitar para com eles toda forma de discri­minação injusta”. A orientação foi retirada de uma car­ta, datada de 3 de agosto de 2007.

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