quarta-feira, 15 de maio de 2013

Entrevista do nosso amigo Paulo Reis // Casamento Gay: “Há cem, cento e cinquenta anos atrás, o cenário era mais obscuro e os homossexuais nem eram considerados humanos”

 
Por Eli Fernandes
 
“Há cem, cento e cinquenta anos atrás, o cenário era mais obscuro e os homossexuais nem eram considerados humanos”

Paulo Reis dos Santos coordenou as Políticas Públicas para a Diversidade Sexual da Prefeitura de Campinas e antes foi Coordenador do Centro de Referência de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (LGBT). Hoje realiza a pesquisa “Homossexualismo e loucura na cidade de Campinas na primeira metade do século XX: A psiquiatria a serviço do dispositivo heteronormativo”.

Mas o tema da entrevista é a homossexualidade em outro início de século, agora, segunda década do novo milênio, quando o casamento gay, no Brasil, tornou-se uma norma. Paulo Reis é mas sou um dos fundadores do Grupo Identidade, de Campinas e da Associação da Parada do Orgulho LGBT de São Paulo, que organiza a Parada Gay de São Paulo. Confira a íntegra da entrevista:

Eli Fernandes - O que você como ativista pelos direitos da Comunidade LGBT pensa sobre esta decisão do Conselho Nacional de Justiça que normatiza o casamento gay?

Paulo Reis dos Santos - Esta resolução do CNJ vem regulamentar a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que iguala as uniões civis entre pessoas do mesmo sexo às uniões civis entre heterossexuais, mas ela ainda precisa ser publicada no “Diário da Justiça” e ainda não tem data prevista. Esta resolução determina que todos os cartórios civis do país realizem o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Esta decisão coloca o Brasil no século XXI. Ela é fruto de mais de três décadas de luta do movimento LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais) pelo reconhecimento da cidadania desta população. Mas é bom salientar que ela se refere a um direito civil e à cidadania, sacramento é um ritual religioso e cada igreja ou responsável por ela decide se realiza este ritual ou não.

Em São Paulo a norma já vale por decisão do Tribunal de Justiça do Estado. Como está na prática o cumprimento?

Paulo Reis - A Prefeitura de Campinas através da Coordenadoria de Políticas Públicas para a Diversidade Sexual e do Centro de Referência LGBT organizaram o primeiro casamento coletivo homoafetivo do Estado de São Paulo, em 21 de março. Após a realização de uma pesquisa constatamos que apenas dois dos cinco Cartórios da cidade realizavam o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Assim este casamento coletivo vinha sendo organizado desde meados de 2012 e tinha como fundamento divulgar a decisão do STF para a comunidade LGBT da cidade e forçar os Cartórios Civis da cidade a realizá-lo. No Brasil, até hoje competia ao Juiz Corregedor decidir se o Cartório realizaria ou não o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Exceção da Paraíba, Santa Catarina, Rio de Janeiro. Em São Paulo o casamento e união estável foram inseridos nas previsões das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo e passaram a valer em primeiro de março.

Qual o reflexo que estas conquistas podem trazer?

Paulo Reis - Agora os casais homoafetivos têm garantida uma série de direitos que antes eram reservados somente aos casais heterossexuais, como comunhão parcial de bens, pensão alimentícia, pensão do INSS, inclusão dos parceiros nos Planos de Saúde, declaração conjunta de Imposto de Renda, adoção conjunta etc. Segundo a ABGLT os casais do mesmo sexo até hoje tinham 78 direitos negados que agora o Estado Brasileiro passa a assegurar.

Você considera que vai trazer mais ou menos mobilização pela cidadania de LGBTs?

Paulo Reis - Não basta existir uma Lei, Norma, Decreto ou qualquer outro marco legal para que a cidadania das populações vulneráveis seja exercida e respeitada. Um texto é apenas um punhado de palavras, e para que elas passem a ter uma existência real é necessário que as pessoas se apropriem do seu conteúdo e se transformem em cidadãos e cidadãs, conhecedoras de seus direitos, então o trabalho da militância LGBT deverá ser focado da divulgação desta normativa. Mas não devemos nos esquecer de que vivemos numa época em que o fundamentalismo religioso tem ganhado muito espaço e que nós, comunidade LGBT, somos o alvo preferencial de suas ações. Agora eles pegarão mais pesado, ainda, e utilizarão esta decisão do CNJ como moeda de troca para aprovar projetos importantes para o governo federal e embargar a pauta de votação, além do que destilarão toda sorte de impropérios sobre lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais.

Como você compara os períodos, atual, da decisão do CNJ e a do recorte que você faz em sua pesquisa/tese?

Paulo Reis - Estou fazendo doutorado na Faculdade de Educação da Unicamp, no GEISH – Grupo de Estudo Interdisciplinar de Sexualidade Humana, onde pesquiso o discurso e a prática psiquiátrica sobre a homossexualidade na virada do século XIX para o XX. Nesta época o homossexualismo era considerado uma doença catalogada. Estou pesquisando os prontuários dos sanatórios e hospitais psiquiátricos onde busco descortinar qual o tratamento dispensado para a cura da homossexualidade. Nesta época o Brasil vivia a primeira onda da República e com ela uma necessidade de modernização das cidades pairava no ar. E a modernidade exigia um controle dos corpos e a heterossexualidade foi elevada à norma, onde os casais deveriam procriar, pois o país precisava de braços para a indústria e para o desenvolvimento da nação. Os sodomitas, condenados pela igreja se transformaram em degenerados que precisavam ser conduzidos à norma heterossexual. Hoje o cenário é outro: Em 1973 a APA (American Psychiatric Association) retirou a homossexualidade do seu "Manual de Diagnóstico e Estatístico de Distúrbios Mentais” (DSM); em 1975 foi a vez da Associação Americana de Psicologia retirá-la do rol de transtornos mentais; em 1985 foi o Conselho Federal de Medicina brasileiro que a eliminou da condição de desvio sexual; em 17 de maio de 1990, a Organização Mundial de Saúde retirou a homossexualidade da Classificação Internacional de Doenças, CID– 10; em 1991, a Anistia Internacional passou a catalogar a discriminação contra homossexuais como uma violação aos Direitos Humanos. Em 1999, no Brasil, o Conselho Federal de Psicologia estabeleceu a Resolução 001/99, que regulamentou a prática do psicólogo na questão da diversidade sexual, proibindo qualquer patologização da homossexualidade por parte dos psicólogos.
Em 2004, a Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, lançou o Programa Brasil sem Homofobia; em 2006, com o tema "Homofobia é Crime! Direitos Sexuais são Direitos Humanos", a Parada do Orgulho LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais) de São Paulo, com público estimado pela Polícia Militar de 2,5 milhões de pessoas. Os organizadores estimaram em três milhões. Entrou para o Guiness Bookcomo a maior Parada Gay do mundo. Em cinco de maio de 2011 os ministros do STF - Supremo Tribunal Federal -reconheceram que a união estável entre pessoas do mesmo sexo é uma "família" e equipararam-na juridicamente a união estável de um casal heterossexual, abrindo precedentes para a regulamentação do casamento entre pessoas do mesmo sexo. E hoje o Conselho Nacional de Justiça O CNJ (Conselho Nacional de Justiça) aprovou a resolução que determina que cartórios civis sejam obrigados a celebrar casamento civil entre pessoas do mesmo sexo.

Digo tudo isto para deixar claro que há cem, cento e cinquenta anos atrás, o cenário era mais obscuro e os homossexuais nem eram considerados humanos. O movimento LGBT lutou muito, alcançou grandes conquistas, mas ainda há muito a ser conquistado para que desejos e afetos não diferenciem humanos.
 
 
Fonte: http://eli-fernandes.blogspot.com.br/2013/05/casamento-gay-ha-cem-cento-e-cinquenta.html

2 comentários:

  1. Obrigado à Mãe Kuia, que eu conheço Mãe Cidinha, e a seus filhos pelo carinho e respeito mútuos. Bjs
    Paulo Reis

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    1. Querido Paulo você é uma pessoa que gostamos muito, tem o nosso respeito e nosso carinho.

      beijos e felicidades

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