terça-feira, 18 de junho de 2013

Comissão da Câmara tentará votar amanhã projeto da cura gay

O projeto derruba a aplicação de dispositivos de uma resolução do Conselho Federal de Psicologia, em vigor desde 1999

Iolando Lourenço, da
 
 
O presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, Marco Feliciano, após reunião de líderes partidários no gabinete da presidência da Câmara dos Deputados. 
Marco Feliciano:  é mais uma das várias tentativas feitas para votar a matéria, que tem parecer favorável do relator, deputado Anderson Ferreira (PR-PE)

Brasília – O presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara, deputado Pastor Marco Feliciano (PSC-SP), marcou para amanhã (18), às 14h, a votação do projeto de lei da cura gay. É mais uma das várias tentativas feitas para votar a matéria, que tem parecer favorável do relator, deputado Anderson Ferreira (PR-PE).
 
O projeto derruba a aplicação de dispositivos de uma resolução do Conselho Federal de Psicologia, em vigor desde 1999, que proíbe os profissionais de participar de terapias para alterar a orientação sexual e de tratar a homossexualidade como doença. No dia 4 deste mês, houve pedido de vista coletiva do parecer do relator.
Também consta da pauta da comissão a votação de requerimento do deputado Pastor Eurico (PSB-PE), que requer a realização de audiência pública para debater “o problema da erotização das nossas crianças através de imagens, de músicas nos meios de comunicações, cartilhas educativas e demais

Fonte:

segunda-feira, 17 de junho de 2013

2º Forum Social em Santa Maria/RS

Transexuais e travestis já podem utilizar nome social na UnB

Iniciativa foi aprovada após solicitação de aluno, mas professores se recusavam a chamá-lo pela nova identificação. 

 

Marcelo Caetano conseguiu direito de usar nome que escolheu em documentos internos da UnB mas esperava regulamentação (Foto: Mariana Costa/UnB Agência)

 Marcelo Caetano conseguiu direito de usar nome que escolheu em documentos internos da UnB mas esperava regulamentação.

 

Alunas e alunos de graduação e pós-graduação da Universidade de Brasília (UnB) já podem requisitar a inclusão do nome social na lista de chamada, comprovante de matrícula e carteira de identidade estudantil. A medida vai beneficiar estudantes travestis e transexuais que se sintam constrangidas e constrangidos ao serem identificadas ou identificados pelo nome civil na universidade. Em outros documentos acadêmicos, como diploma e histórico escolar, permanecerá a identificação conforme registro civil.

A iniciativa foi aprovada pelo Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão em setembro do ano passado, após solicitação de aluno do curso de Ciência Política. O secretário de Administração Acadêmica, Arnaldo Carlos Alves, alerta para a ocorrência de uma “interpretação equivocada” da resolução por parte de estudantes. “Já temos pedidos de alunos que querem alterar os nomes para apelidos. Não é essa a ideia”, diz.

Interessadas e interessados devem procurar os postos avançados da Secretaria de Administração Acadêmica (SAA) e solicitar, por escrito, a alteração do nome – de preferência, manter o sobrenome.

Aluno lutava há um ano por nome social
Após enfrentar constrangimentos na biblioteca, no restaurante universitário e até em sala de aula, Marcelo Caetano, 23 anos, decidiu entrar com um pedido, em 2012, para que a UnB reconhecesse o seu nome social. Transexual há três anos, ele trocou o cabelo comprido pelo visual masculino e não quer ser mais conhecido pelo nome feminino que aparece na carteira de identidade.

"Os professores, de maneira geral, se recusam a me chamar de Marcelo. Na biblioteca e no RU, já fui barrado porque os funcionários olham para o nome da carteirinha e dizem que não sou eu", conta o estudante do quarto semestre de ciência política. Cansado dessa situação, ele procurou a direção da universidade e pediu que a identificação do RG seja substituída pelo nome escolhido quando passou a se reconhecer como homem. A UnB aceitou o pedido e anunciou em setembro do ano passado que todas as alunas e todos os alunos transexuais e travestis poderiam adotar o nome social, mas passado todo esse tempo a norma ainda não entrou em vigor.

Ameaças na universidade
Marcelo Caetano conta que aprendeu a lidar desde cedo com o preconceito. Negro e de família nordestina, ele sofria com as brincadeiras na escola desde pequeno. "Eu sabia que era diferente das outras crianças, mas não sei dizer se o preconceito era por causa da orientação sexual, ou por ser negro e nordestino. Tudo sempre se misturou, é uma discriminação tripla", conta. Ao terminar o ensino médio em Santos (SP), ele foi aprovado direito na Universidade Federal do Paraná (PR), em Curitiba. Foi lá que decidiu assumir a nova identidade.

Os cabelos longos foram cortados e os amigos ajudaram a escolher o novo nome. "Na UFPR o nome social já era institucionalizado, então foi bem tranquilo. Claro que algumas pessoas comentavam, eu percebia isso, mas não eram próximas a mim, então não me preocupei. Meus amigos sempre me apoiaram", conta. Já na relação familiar a aceitação foi mais difícil, mas Marcelo prefere não entrar em detalhes.

Como não gostou do curso de direito, ele fez vestibular para a UnB e, com a aprovação, mudou-se para Brasília. A adaptação na universidade foi tranquila, mas a resistência à adoção do nome social incomoda. "Na UFPR eu passei por todo o processo de transformação, algumas pessoas acharam estranho me ver como homem. Mas na UnB eu já cheguei da forma como sou hoje, então nesse ponto foi mais tranquilo. Mas ainda enfrento muito preconceito", afirma.

Marcelo conta que já sofreu várias ameaças de outros alunos, mas nunca chegou a ser agredido fisicamente. "São várias acusações verbais, como 'vou te ensinar a ser homem' ou 'vou te pegar veadinho'". Para ele, o que acontece dentro da universidade é reflexo do preconceito que ainda existe na sociedade. "Sou parado com frequência nas ruas de Brasília pela polícia. Eu sou negro, os policiais me veem com desconfiança. E quando olham meus documentos, a situação se agrava ainda mais porque percebem meu nome de mulher. Não sou só transexual, sou uma série de vetores que se unem."

Grupo de trabalho tenta coibir homofobia na universidade
Criado em 2011, o Grupo de Trabalho de Combate à Homofobia da UnB já precisou lidar com diversos casos de agressão a estudantes LGBT - como a de uma menina que foi agredida em fevereiro deste ano no estacionamento da instituição. No curso de direito, pichações com punho homofóbico precisaram ser removidas diversas vezes. Para o professor José Zuchiwschi, o grupo de trabalho tenta coibir esses atos de violência de forma pedagógica - sem atitude repressora.

"Não queremos ser policialescos, mas trabalhar de forma didática para que as pessoas entendam a multiplicidade que ocorre aqui dentro", afirma. Segundo ele, entre as principais iniciativas está "garantir que os currículos de cada curso englobem a discussão sobre a diversidade e os direitos humanos", conta, apesar de confirmar que existem muitas resistências. "Assim como na sociedade, precisamos romper com várias barreiras", complementa.


 
Na recepção aos calouros no começo deste ano, foram disponibilizados diversos materiais educativos para tentar evitar o preconceito com os alunos LGBT. Um disque-denúncia também deve ser criado este ano para que os estudantes possam denunciar agressões físicas e verbais. Sobre os atos de violência registrados na universidade nos últimos anos, ele diz que representam uma tentativa de calar o movimento LGBT por meio de ameaças. "Quanto maior a nossa visibilidade, maior a ação dos grupos contrários, que querem que a gente fique no armário. Mas isso não nos impede de continuar na nossa militância para que os direitos sejam respeitados", completa.

Vice-presidente da Associação Brasileira de Homens Trans, Marcelo Caetano acredita na força política para lutar pela igualdade. "A associação foi o espaço que eu encontrei para travar essa batalha contra o preconceito", conta o estudante. 


Fonte: http://www.gay1.com.br/2013/06/transexuais-e-travestis-ja-podem.html#.Ub-1BJw3-M-


Austrália inclui alternativa para transexuais em documentos

A Austrália incluirá uma terceira opção ao lado de "homem" e "mulher", nos documentos oficiais para reconhecer os transexuais e intersexuais (antes chamados hermafroditas), informaram nesta sexta-feira fontes oficiais.


O procurador-geral Mark Dreyfus declarou em comunicado que a nova legislação, que entrará em vigor a partir de 1º de julho, dará uma opção adequada para muitas pessoas se identificarem. "Essas diretrizes significarão uma melhoria prática na vida diária dos transexuais, intersexuais e de qualquer gênero. É o compromisso com que todos sejam tratados com respeito pelos departamentos e agências do governo australiano", disse Dreyfus.


"Reconhecemos o direito de as pessoas se identificarem em sua comunidade com a identidade sexual que lhe atribuíram quando nasceram e durante a infância, assim como na categoria de sexo indeterminado", explicou o procurador australiano.


Ele acrescentou que a identidade de gênero "deverá ser reconhecida e refletida em seus documentos pessoais dos diferentes departamentos e agências". Para escolher a categoria "intersexual", os interessados deverão ter um certificado médico, e os que optaram por realizar operação não precisarão provar.

Desde 2011, os passaportes australianos contam com uma opção "X" para os transexuais, intersexuais ou pessoas que se consideram como "sexo neutro".

Fonte:

Vejam o video - Se eu não não pudesse amar ficaria satisfeita em imaginar que amo - (Saraivetty Close Beauty)

Ingoma Nshya, tambores que curam mulheres em Ruanda

Teia Sp 2013 - Encontro de Mobilização Macro Campinas ( Cultura)

Material de combate a homofobia na escola

Conheça aqui o material que o Projeto Diversidade Sexual na Escola da UFRJ produziu sobre o Dia Internacional de Combate a Homofobia, Lesbofobia e Transfobia. Nele você encontra um pouco do que originou essa data, porque ela é importante para a educação e como trabalhar esse tema na sua escola ou sala de aula. Este material foi produzido especialmente para educadores e educadoras. Aproveite essa data para pensar (e talvez começar a agir) sobre uma das formas de discriminação, exclusão e violência que atingem as nossas escolas. Leia, pense, compartilhe, imprima, cole no mural da sua escola, debata com seus colegas e sua equipe.

 

 

 

 

quinta-feira, 13 de junho de 2013

Abandono e preconceito em asilos obrigam idosos gays a voltarem para o armário


Neto Lucon (revista Junior/13)

“No asilo não tem nenhum gay, querido. É só velho, mesmo”. “Não, não trabalhamos com homossexuais”. “São senhoras muito religiosas, nenhuma lésbica, muito menos bissexual”. “Se tem algum gay aqui, ninguém nunca falou nada”. “Homossexual? Não temos, ok? Tchau”.

Foram mais de 100 ligações telefônicas e doze visitas a 40 asilos, casas de apoio, repouso, albergues e abrigos de São Paulo na busca por um gay idoso, foco desta reportagem. Apenas um abrigo declarou que um gay morava lá. Outro disse que um homossexual morador precisou voltar ao armário por sofrer preconceito de outros moradores.

Muitas atendentes, secretárias e responsáveis por serviços assistenciais, durante o contato, deram a entender que a procura era avaliada com desconforto, trote e até chacota. Como se idosos não pudessem ser gays. Como se gays não ficassem velhos. E como se idosos não sentissem desejo sexual. Puro preconceito.

AO ARMÁRIO AGAIN


Nascemos, nos descobrimos, vivemos e gozamos da juventude. Corpos rígidos, olhos atentos, raciocínio rápido e  hormônios a flor da pele. Com o tempo, os braços e pernas tornam-se flácidos, as rugas se espalham como raízes pelo rosto, as atividades inevitavelmente mudam e a experiência pode ser interpretada como ponto forte. Não adianta nem tentar escapar: todo mundo fica velho.

A nova geração é de fato mais assumida e com consciência de seus direitos, graças ao relaxamento das tensões e respeito das diferenças sexuais, conquistado ao longo dos anos. Mas por onde andam os homossexuais que se assumiram há 40, 50, 60 anos?

Uma reportagem do “New York Times”, escrita por Janet Gross e Dan Frosch, revela que, para alguns deles, o tão perturbador armário volta a ser um dilema na terceira idade. Dentro de asilos, eles são obrigados a esconder a orientação sexual por medo da homofobia de seus companheiros de quarto, sala e fisioterapia.

A experiência de Glória Donadello, 81 anos, que participava do centro de vida assistida em Santa Fé, Novo México, diz por si o panorama dos idosos gays. Durante uma reunião, ela se incomodou com comentários homofóbicos e pediu para seus amigos pararem. “Por favor, não façam isso, porque sou gay”, disse. Depois da indagação, cheia de sinceridade,  “todos olharam horrorizados”, relembra ela.

Desde então, Glória não foi mais bem-vinda nas conversas, refeições e caiu em depressão. Por sorte, conseguiu sobreviver quando se mudou para uma comunidade próxima, que atendia especialmente gays e lésbicas. “Foi uma questão de vida ou morte”, dispara.

Outro caso mais trágico, também abordado na reportagem, aconteceu com um senhor gay de 79 anos, que freqüentava o asilo da Costa Leste estadunidense. Ele foi transferido de seu andar por conta de protestos de moradores que não aceitavam sua orientação sexual. Bastante triste com a reação, o senhor não resistiu a pressão e se enforcou.

No Brasil, a situação não é diferente. Pior: por aqui não existe nenhum asilo voltado para LGBTs. A coordenadora do Albergue Esperança, Alice Aparecida de Alencar, reconhece o problema: “Idosos homossexuais sofrem muito preconceito de outros idosos. É por isso que não se assumem. Quando revelam, surgem vários problemas”.

Um deles aconteceu com Claudio, homossexual de 66 anos, que não admitia que fizessem piadas sobre sua sexualidade.



Reportagem ganhou 4 páginas na revista Junior/13
Quando fazia, ele pulava, agarrava o órgão sexual de outro morador e não soltava mais. Chegava a tirar sangue”, conta ela. Problemas relacionados ao banheiro também eram constantes. “Quando os héteros tomavam banho, ninguém admitia que ele entrasse no banheiro. Ele ficava bastante nervoso e era aquela confusão”, salienta.

AVERSÃO DE QUEM CUIDA



Ao contrário de Berlim, Argentina, Lisboa e Boston, não existem  serviços voltados a idosos gays no Brasil. O estilista Ronaldo Ésper, que tem 65 anos, contou que planeja criar a primeira “casa aberta” para atender esse público. “Não dá para o homossexual ficar em asilo. Além dele se sentir deslocado, sentir vergonha de falar que é gay, ele pode movimentar muito o lugar”, defende.

E, diante do crítico quadro, gays idosos assumidos são quase nulos em asilos e serviços assistenciais. “É tão difícil quanto encontrar orientais que necessitem desses cuidados”, compara Nanci Paulino Bernardo, gestora do “Pró + Vida”, instituto que atende senhores de risco e exclusão. “Confesso que nunca ouvi falar de um gay que estivesse por aqui. Talvez eles vivam no armário pelo medo de serem tratados com preconceito”, diz.




A educadora social Amanda de Oliveira Posanello afirma que é mais comum idosos revelarem  tranquilamente a orientação sexual quando conquistam sua aposentadoria e levam uma vida independente. “É que, daí, eles não têm mais nada a perder, nem a quem dar explicações. Vivem plenamente uma vida assumida. Mas quando necessitam de abrigos, eles sentem medo do preconceito até dos funcionários”.



Amanda diz que o receio dos gays tem fundamento, uma vez que já conheceu enfermeiros que não gostavam de atender homossexuais idosos. “Muita gente ainda não está preparada. Já cheguei a trabalhar em um lugar em que enfermeiros e outros profissionais não aceitavam homossexuais, onde o próprio funcionário alegava que não sabia lidar. Então, preferiam evitar o contato”, frisa.

A CHACOTA QUE INTIMIDA

Seu Antonio, 65 anos, integra uma instituição que ampara pessoas sujeitas à vulnerabilidade social. Magro, pequeno, tímido e de cabelos brancos, ele não gosta de falar que é gay, muito menos publicamente. Quando foi abordado por mim, ele desconversou e se retirou. Tanto que um dia após ter sido convidado para participar desta reportagem, ao contrário de sua rotina, ele saiu do abrigo bem cedo, mesmo com dificuldades para caminhar, com a finalidade de evitar novas declarações..
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Funcionários dizem que no início do atendimento Seu Antônio não era tão fechado assim. Ao contrário, era considerado alegre e até flertava outros homens tranquilamente. Foi depois de ouvir constantes piadinhas e ser alvo de comentários homofóbicos de outros morados que ele começou a se entristecer.

“Hoje ele vive silencioso e prefere a companhia apenas dos funcionários. São raras as vezes em que ele é visto conversando com outros moradores, a não ser para serviços. Devido à habilidade de lavar e passar roupas, ele consegue ter uma renda”, diz um funcionário. 

Pela manhã, Antônio lava e passa as peças. Pela tarde, consegue fazer outro bico em uma casa de família. “Todo mundo gosta do trabalho dele, que é uma tarefa feminina, né? Mas ninguém faz mais piadas. Todos sabem de sua sexualidade, mas ela não é mais motivo de gozação”, diz a educadora social Amanda. 

Mesmo assim, quando é flagrado olhando para outros homens, seu semblante é bastante diferente: abaixa a cabeça e se envergonha. Seu passado, possíveis namoros e casamentos ainda são uma incógnita para todos. Estão muito bem guardados. Talvez leve consigo para sempre.

MEU NOME É XUXA

O estereotipo da solidão, armário e tristeza, porém, não é uma regra. Ernani Pereira Candido ou, como ele prefere ser chamado, Xuxa, é um senhor gay extremamente assumido, aceito e feliz. 

Segundo ele, a convivência com funcionários e moradores do Albergue Boracea e da Casa Geração, ao lado do Parque da Luz, em São Paulo, é de muita conversa, cumplicidade e brincadeiras.

Em uma tarde de quinta-feira, Xuxa me aguardava com seus encantadores olhos azuis esverdeados. Ao lado de dois amigos, ele participava da comemoração de aniversário de um garotinho de 10 anos. O clima era de descontração e brincadeiras: “Não adianta vir com entrevista. Aqui não tem homossexual”, soltou um morador. Até que Xuxa retrucou: “Não sou homossexual, mesmo, meu amor. Sou hermafrodita”, arrancando gargalhada de todos. 

A boa convivência com o grupo predominantemente heterossexual é explicada pela espontaneidade e jogo de cintura de Xuxa. “Sou muito carismático, brincalhão e procuro conversar com todo mundo - de igual para igual, sem crise. Por isso nunca tive problemas”, diz. 

Comendo bolo de chocolate e guaraná, ele afirma nunca ter sofrido preconceito no abrigo e nem na casa de apoio. “Aqui todo mundo é igual. Todos, inclusive os fundadores e funcionários, sentam no mesmo espaço, conversam, interagem, sem fazer distinção. Nunca sofri preconceito de ninguém. E, se sofri, nunca percebi nada”, defendeu.
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Ele explica sua rotina: “Temos o momento de oração às 8h. Depois, participo das oficinas que vai até às 16h30. Todos os dias”. Enquanto ele explica suas atividades, me puxa pelo braço e me apresenta um quadro que pintou. “É um cometa, cheio de raios de luz. Tem uma estrela na ponta, olha. E tem o rabo bem luminoso aqui”, descreve orgulhoso pela obra estar exposta no espaço. .

Xuxa começa a arrumar seus materiais e diz que não se sente velho, muito menos acha que já viveu tudo na vida. “Desfruto cada segundo do meu dia, pois a cada momento algo novo surge. Para mim, cada dia é uma vida diferente. Hoje estou aqui com você. Amanhã você vai estar com outra pessoa e, depois, não sabemos. É por isso que devemos viver com intensidade, aproveitar ao máximo o outro, como se fosse o último momento”.

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Vindo de uma família circense, Ernani diz que foi criado por outra família, após a separação dos pais biológicos, aos 4 anos. E diz que sempre teve medo de assumir a homossexualidade: “Os tempos eram outros e eu amava muito a minha mãe de criação. Tinha medo de que ela se machucasse por saber de mim. Até que um dia ela chegou e perguntou. Eu me assumi e, para minha surpresa, ela disse que me amaria ainda mais, pois eu precisaria desse amor. Neste dia saiu um peso das minhas costas”, confessa.
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Em um período difícil, Xuxa perdeu o pouco que tinha e, sem os pais e emprego fixo, se viu obrigado ir para as ruas. “Já passei por muita coisa no passado, experiências que você nem imagina. Já pedi dinheiro, já comi alimento do lixo, já dormi na rua. O mais difícil deles? Ah, é enfrentar as primeiras fomes, a primeira vez que precisei pedir dinheiro. A primeira vez sempre marca, né, depois você se acostuma”. 
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Hoje, necessitando de serviços assistenciais, ele não reclama da vida que leva: “Um prato de arroz é um banquete, para mim. Quem passou fome sabe disso: nem precisa de mistura”, frisa ele, que já se casou com um homem do albergue. “Conheci um rapaz de olhos negros lindos. Ele vinha sempre bater na minha perna durante a noite”, conta. “Namoramos, nos casamos e ele foi a grande paixão da minha vida”, lembra com os olhos marejados. Ele evita falar sobre o término.
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Enquanto volta ao abrigo Boracea, na Barra Funda, o senhor diz que nunca pensou em voltar para o armário, como outros idosos homossexuais, os quais me referi no início da reportagem: “Esconder de novo? Para quê? Não tenho vergonha de nada, nada. Temos que ser o que somos, independente da idade e do lugar. Minha vida sexual é muito ativa, te garanto, e tenho muito orgulho da minha história. Jamais mudaria meu jeito por alguém”, defendeu. 
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"Mas não quero mais relembrar o passado. A vida passa, os ponteiros não param e eu ainda tenho muito o que viver, a cada dia, entendeu?”.

Entendi. // Que todos tenham um pouquinho da consciência e do jogo de cintura de Xuxa, mas que principalmente tenham o direito de envelhecer e gozar de sua sexualidade com liberdade, dignidade e respeito.


Fonte:

Veja o video Histórias de pessoas que nasceram nos porões da ditadura