Doutor em História, Robson Machado narra a história dos descendentes e como viveram desde 1888
RIO - Aos 14 anos, Vicente valia 1.200 réis. Era o ano de 1871, e ele
vivia na senzala da Fazenda Córrego do Ouro, no sul do Espírito Santo.
Escravo desde que nasceu, provavelmente em 1857, na Região da Zona da
Mata de Minas, foi comprado para trabalhar no plantio e na colheita do
café. No ano em que a Lei do Ventre Livre foi aprovada, Vicente dividia a
fazenda com outros seis escravos. A mais velha, Jeronyma, de 50 anos,
valia 400 réis, quatro vezes o valor de um burro de carga.
Dezessete
anos depois, em 13 de maio de 1888, Vicente se tornou um homem livre.
Mas, para ele e para a maioria dos escravos, a Lei Áurea não significou,
de cara, uma mudança de vida. Ao ganhar a liberdade, recebeu o
sobrenome do dono da propriedade e passou a se chamar Vicente Pereira
Machado. E ainda permaneceu por, pelo menos, mais uma década na fazenda.
Lá casou e teve os primeiros filhos.
Após
125 anos da assinatura da lei pela princesa Isabel, O GLOBO conta a
vida de Vicente e de seus descendentes — personagens de um Brasil que
redescobre sua História negra e reduz desigualdades, mas ainda convive
com o preconceito e os resquícios da escravidão.
— Essa ideia de
que as pessoas saíram correndo e comemorando, isso é lenda. Depois do 13
de Maio, meu bisavô e a maioria dos escravos continuaram vivendo onde
trabalhavam. Registros históricos mostram que alguns receberam um pedaço
de terra para plantar o que iam comer. Mas poucos passaram a ganhar
ordenado, e houve quem recebesse uma porcentagem do café que plantava e
colhia — conta Robson Luís Machado Martins, bisneto de Vicente, que
desde a década de 1990 pesquisa a história de sua família e, de quebra, a
do Brasil.
— Toda família tem uma história. A da minha é também a do Brasil nos últimos 150 anos.
Foi
pesquisando para a graduação em História, o mestrado e o doutorado que
Robson descobriu como viveu seu bisavô. Antes de tudo, ouviu os relatos
dos seus avós maternos, Paulo Vicente e Ana Cândida, filha de uma
portuguesa com um africano.
— Cresci com minha avó exaltando mais o
lado comunitário e festivo do que as agruras, a violência, os filhos
sendo vendidos, os açoites. A parte humana de uma convivência desumana.
De haver um sentimento comunitário. Quando fui para a faculdade, resisti
bastante a escrever sobre esse período. E até hoje faço assim: quando
estou tranquilo, vou adiante. Quando abala, eu paro — diz Robson.
Em
suas pesquisas, ele descobriu que Vicente era um negro mais alto e mais
forte que a maioria. Em 1871, valia mais que o irmão, Marcos, um ano
mais velho. Foi esse porte que fez com que fosse escolhido como
reprodutor e tivesse relações com as escravas, que gerariam filhos.
Depois, apaixonou-se por uma branca e acabou no tronco. Foi ainda
capitão do mato, pessoa que devia resgatar os escravos que fugiam.
—
Ninguém tinha opção. Meu avô contava que o pai teve que aceitar ser
capitão do mato, mas que não ficou com reputação ruim — diz.
Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/pais/bisneto-de-escravo-liberto-ha-125-anos-conta-saga-de-sua-familia-da-senzala-academia-8344364#ixzz2TEgJWDWf
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