"O DINHEIRO & VOCÊ" --o título do livro aparece assim mesmo, em
maiúsculas. A capa é ilustrada com notas de R$ 50 e R$ 100, pilhas de
moedas e o nome do autor: bispo Robson Rodovalho.
"Descubra os segredos espirituais, emocionais e práticos para adquirir
riquezas", ele promete na publicação, lançada na Feira Internacional
Cristã, da Geo Eventos, empresa da Globo. Rodovalho esteve lá na quarta e
posou ao lado do pastor Silas Malafaia, com quem agitou uma
manifestação em Brasília, "pela vida", em junho.
O líder da igreja neopentecostal Sara Nossa Terra conta que, ao "estudar
a origem do dinheiro", percebeu que lidava com "um bem que já tramitava
no meio dos anjos, [pois] Lúcifer tinha, antes da queda, algum tipo de
comércio".
Bandeja na mão, uma secretária entra com cafezinhos na sala onde ele
conversa com Anna Virginia Balloussier, na sede da igreja. Ainda é cedo,
e o prédio de dois andares (mais subsolo) na rua Augusta (lado
Jardins), em São Paulo, está fechado com aquelas portas de aço típicas
de algum tipo de comércio.
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As salas são separadas por divisórias beges. Dentro de uma delas,
Rodovalho diz ter uma "visão administrativa" para a igreja. "Apliquei um
princípio de gestão moderno."
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A Sara ficou conhecida no começo dos anos 2000 por atrair famosos como
Baby do Brasil, Monique Evans, Leila Lopes e Rodolfo, ex-vocalista da
banda Raimundos (todos já fora da igreja; Leila, morta em 2009). Mais
recentemente, já foram a cultos a atriz Deborah Secco, Ana Cláudia Rocha
(mulher do empresário Flávio Rocha, da Riachuelo) e Letícia Weber,
namorada de Aécio Neves.
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O líder atribui o sucesso nas classes A e B a uma "identificação natural
com o traço intelectual" de sua congregação. "Os afins se atraem, né?"
Ele se apresenta como "professor, físico e empresário" --bispo, só "de
coração".
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Não vê a atividade como profissão. Por isso, diz, não dá salário (só
ajuda de custo, de R$ 1.500 a R$ 5.000) para os cerca de 3.500 pastores,
"todos com curso universitário", que atendem nas 1.050 unidades da Sara
no Brasil.
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O bispo também está na crista da onda quântica. Físico formado pela
Universidade Federal de Goiás, ele põe fé na ciência e lançou, no começo
do mês, um livro para defender que espiritualidade e pensamento
científico frequentem o mesmo lado do balcão.
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Em duas horas de conversa, ele fala com intimidade de Albert Einstein e
usa termos como "postulados de Planck" (físico que inaugurou a quântica,
em 1900) para fenômenos associados à religião. Já ensinou a disciplina
na Universidade Federal de Goiás. Os alunos, conta, não estranhavam.
"Viram que você pode ser pastor sem ter uma cabeça dogmática."
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Está com paletó preto (aberto), blusa branca por baixo (gola e punho se
destacam) e sapato de couro marrom. Comparado a outras lideranças,
Rodovalho é mais diplomático e discreto. Não fez os confessos implantes
de cabelo de Malafaia nem usa chapéu de vaqueiro como o apóstolo
Valdemiro Santiago --tampouco parece inatingível como o bispo Edir
Macedo.
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As bandeiras, contudo, são as mesmas. Ele defende "os direitos civis",
mas critica o casamento gay ("não se muda o que é natural, mulher foi
feita para procriar com o esperma do homem"). E acha que o projeto de
lei 122, de combate à homofobia, "era extremamente discriminatório" ao
proibir pregações antigays nas igrejas.
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"Falei mês passado, num seminário conduzido por Jean Wyllys [deputado
federal que defende os direitos dos homossexuais], a uma plateia só de
gays: 'Gente, vocês têm liberdade graças a um país cristão, tolerante.
Agradeçam ao cristianismo, base da democracia'."
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Como outros evangélicos, também aponta preconceito na forma como a
imprensa lida com o dízimo. "Acho que são mais guerras de segmentos. A
mídia não é inocente, está a serviço do capital."
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No site da Sara Nossa Terra, a animação de uma abelha com sardas e
bochecha rosada convida: "Clique aqui para doar" (mínimo de R$ 30).
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Ao lado de sua mesa está uma intocada caixinha com água de coco
industrializada. Antes, fosse vodca ou água de coco, tanto fazia para o
jovem Rodovalho, filho e neto de plantadores de soja "de médio porte" em
Anápolis (GO), onde nasceu.
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Numa pós-hippie "vida de adolescente, de gente perdida, sem orientação",
consumia de tudo um pouco. "Maconha, muito álcool... A gente fazia chá
de cogumelo." Coloca duas colheres de açúcar em seu chá atual
--hortelã--, servido numa xícara branca com desenho de flor, e segue:
"Andava com um revólver, calibre 38, na cintura".
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Um dia, ainda na adolescência, a tragédia. Estava caçando com outro
rapaz, espingarda na mão. "A arma disparou, o pai dele estava atrás, o
tiro pegou nele." O homem morreu. Não houve processo legal. Mas
Rodovalho sentiu "muito desespero" e pouco conforto na religião da mãe,
espírita (na fazenda eram frequentes rituais com sacrifício de aves e
bodes). Aos 15 anos, ingressou na Igreja Presbiteriana. "A única coisa
que eu sabia é que era muito bom ler a Bíblia e muito gostoso orar. Ah,
não precisava de droga, de bebida, de nada."
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Há 21 anos, mudou-se para Brasília e fundou a Sara Nossa Terra --hoje
liderada por ele e pela mulher, a bispa Maria Lúcia. Eles têm três
filhos e cinco netos.
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Foi deputado federal, pelo DEM. Apresentou projetos solicitando da
criação do Dia do Bombeiro à proibição do uso de documentos
psicografados como prova judicial. Aprovou leis como a que permite o uso
da Lei Rouanet para a música gospel.
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Seu gabinete em Brasília, todo de vidro, chamou a atenção do deputado
Clodovil. Imita o colega, morto em 2009: "Rodovalho, você é o único que
me dá atenção". Após "uma decepção forte", ele diz ter desistido da vida
parlamentar. Apoiou a eleição de Dilma Rousseff "porque o país foi
dirigido pela direita a vida inteira". E responde que, sim, um dia o
Brasil terá um presidente evangélico. "É natural, né?"
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Hoje se dedica à carreira artística -ele é cantor gospel, tem rádios e
uma rede de TV, a Gênesis. É intérprete de canções como "Fogo e Paixão".
Enquanto Wando falava de "raio, estrela e luar", o pop de Rodovalho
homenageia Jesus, "raio de alegria que veio me encontrar". A família
vive entre Brasília e o apartamento de Perdizes, em SP.
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Em 2012, fechou contrato com a Som Livre, gravadora da Globo, e visitou o
Projac com uma trupe de pastores, escoltado por Amauri Soares, então
coordenador dos projetos especiais da emissora. Acompanhou a gravação da
novela "Salve Jorge".
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"No final dessa novela, mandaram um torpedinho pra mim: 'O último
capítulo tem uma surpresa'." Uma das vilãs se redimiu virando
evangélica, assim como a Carminha em "Avenida Brasil".
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Antes, "quando [a Globo] se lembrava de evangélicos, era sempre caricatura de outro mundo, uma pessoa muito fanática, meio ET".