Oásis: em meio às dificuldades do SUS no País inteiro, é possível encontrar em Campinas um atendimento humanizado e de qualidade
Foto: Cesar Rodrigues/AAN
Desde janeiro, o CR/DST Aids realizou 2,5 mil testes e estima que chegue aos 4 mil até o final deste ano
Em meio às deficiências da saúde pública no Brasil, tente
imaginar um sistema que atenda com hora marcada, ofereça tratamento
multidisciplinar e humanizado, proximidade com médicos e, ainda, custeie
os medicamentos. Parece algo incomum até mesmo para quem dispõe de
planos privados, mas não é. Uma saúde assim, que funciona como um
relógio suíço, é possível e existe em Campinas.
No mesmo
complexo do Hospital Ouro Verde (como em tantos outros da cidade), em
que pacientes têm que chegar cedo e enfrentar fila para agendar uma
consulta, fica o Centro de Testagem e Aconselhamento (CTA) / Ambulatório
de Hepatites Virais. É um serviço da Prefeitura que prima pelo
atendimento diferenciado e cujas diretrizes promovem o acolhimento de
pacientes, orientando funcionários sobre como lidar com um público ainda
vítima de preconceitos.
“A diferença entre o CTA e o serviço
público em geral é que ele é focado no paciente e busca a humanização”,
explica Heloísa de Castro, coordenadora do CTA Ouro Verde. O centro
oferece gratuitamente testes para hepatites e HIV, serviço de
ambulatório e funciona como consultório para pacientes dessas
enfermidades. O usuário percebe o conforto na primeira visita,
normalmente para o teste ou coleta de sangue. Se do lado de fora a
espera é em pé, no CTA há cadeiras, revistas, televisão, além de
material de prevenção a doenças sexualmente transmissíveis (DSTs) como
informativos, preservativos e lubrificantes.
As consultas são
agendadas e os medicamentos, prescritos pela equipe médica para que
possam ser retirados na farmácia de alto custo da Prefeitura ou em
centros de saúde. “Utilizamos o sistema da Prefeitura para o agendamento
das consultas. O paciente é informado do dia e do horário de seu
atendimento e quando não vem, há uma recepcionista ou enfermeira que
telefona para saber o motivo da falta e reagendar a consulta”, explica
Heloísa. Mas não é apenas a estrutura que funciona nesse esquema. A
diretriz do CTA e também do Centro de Referência do Programa Municipal
(CR) DST/Aids da Prefeitura de Campinas, prevê a capacitação de
profissionais que irão trabalhar diretamente com o público.
Foto: Cesar Rodrigues/AAN
Heloísa de Castro (à esquerda) e Cláudia Barros, coordenadoras do CTA Ouro Verde e do Campinas CR/DST Aids, respectivamente
“Acolhimento, ética e sigilo norteiam o nosso
trabalho e essa orientação vai do vigia ao médico. Quando recebemos um
candidato a funcionário, explicamos que, se quiser trabalhar aqui, é
preciso estar ciente de que terá de lidar com pessoas que normalmente
são vítimas de discriminação. Deixamos claro que se essa pessoa tem
algum problema com diversidades, seja sexual, de raça, credo ou social,
então melhor é se capacitar ou buscar uma vaga em outra unidade de
saúde”, afirma Cláudia Barros, coordenadora do CR/DST Aids.
Para
Heloísa de Castro, o crescimento no número de testagem e na adesão ao
tratamento é fundamentado pelo principal objetivo dos serviços do CTA e
do CR/DST Aids: o paciente. “O atendimento que desenvolvemos é fruto de
uma disposição interna em ouvir o usuário. É preciso entender o que ele
necessita e levar essa discussão para as equipes”, explica a
coordenadora. Só neste ano já passaram pelo atendimento do CTA 1,5 mil
pessoas que estão em tratamento ou pediram informação.
“Há
pouco tempo, as campanhas de testagem não tinham a adesão que têm
atualmente. Hoje, quando vamos para as ruas, as pessoas se interessam e
fazem o teste”, afirma a coordenadora Heloísa de Castro. O CR/DST Aids
registra crescimento de usuários que buscam informação, testes,
tratamento e medicamentos. De acordo com a coordenadora, desde o mês de
janeiro, o centro realizou 2,5 mil testes e estima que chegue a 4 mil
até o final deste ano. Atualmente, outras 2,5 mil pessoas já estão em
tratamento no CR/DST Aids.
Os dois centros oferecem tratamento multidisciplinar no mesmo local.
No
CTA, além de clínico especializado em infectologia e DSTs, o usuário
conta com apoio de psicólogo, assistente social e enfermeiro. No CR/DST
Aids o atendimento é ainda mais amplo e oferece, além desses,
nutricionista, homeopata, dentista e equipe de apoio com auxiliares de
enfermagem, agentes de saúde e recepcionistas. O centro também funciona
como farmácia dispensadora do Ministério da Saúde, o que permite que os
usuários possam retirar gratuitamente os medicamentos prescritos logo
após a consulta.
Fase delicada
A comerciante Rosemary
(nome fictício) prefere não mostrar o rosto nem ser identificada pelo
verdadeiro nome. O medo da discriminação, mesmo em família, faz com que
ela prefira não tornar pública sua condição de HIV positiva. Ela
contraiu o vírus do marido, morto há cinco anos e com quem conviveu por
mais de 30. “Não imaginava que em um casamento de tantos anos, eu
pudesse passar por isso”, conta. Apesar do receio do preconceito,
Rosemary está em tratamento desde a morte do marido.
“Fiquei
preocupada quando ele ficou doente e foi diagnosticado, já próximo da
morte. Acho que ele não acreditava que pudesse ser contaminado e nem
procurou um médico. Quando o seu estado se agravou consegui interná-lo e
aí foi diagnosticado. Um mês depois ele morreu e o médico me orientou a
procurar o CR/DST Aids e a fazer o exame. Fiz e fui diagnosticada
também”, lembra.
Após o impacto pela descoberta, Rosemary foi
atendida por um psicólogo e durante as sessões se sentiu segura para
dar os primeiros passos no tratamento. “Me senti amparada. Estava
perdida e não podia dividir a notícia com os meus filhos; não naquele
momento. Pensava que ia morrer de repente e pensei na vergonha que daria
a eles. Mas a equipe do centro me orientou, me ajudou a entender que
existe tratamento e que posso ter qualidade de vida”, lembra.
No
CR/DST Aids há cinco anos, a comerciante se submete regularmente a
consultas, coletas de sangue, além de retirar medicamentos. “É um
serviço humanizado. Os profissionais não te olham como se você tivesse
uma doença amaldiçoada. Meus médicos me acompanham de perto, sempre
atentos à minha saúde. Me sinto tão confortada que consegui contar para
os meus filhos, que também me acolheram de braços abertos. Só tenho a
agradecer”, comemora.
Foto: Camila Moreira/AAN
Adriano Moneta, paciente do CTA Ouro Verde: Numa
data em que eu deveria ter ido para coletar sangue, não apareci. O CTA
me ligou perguntando por que eu não tinha ido. Isso, para mim, foi
demais. Uma tremenda demonstração de organização e preocupação com o
paciente.
Quem usa aprova
O jornalista Adriano Kirche Moneta descobriu por acaso, no ano
passado, que era portador do vírus da hepatite C. “Eu estava fazendo um
check-up de rotina na cardiologia. As taxas altas de transaminases que
apareceram nos exames alertaram para algum problema no fígado. Elas
indicam, grosso modo, que o fígado está inflamado”, lembra. Morando em
São Paulo e dividindo as jornadas de trabalho entre a Capital e
Campinas, Moneta procurou tratamento em São Paulo, sem muito sucesso.
“Procurei
um hepatologista particular que me atendia via convênio médico. Ele
possuía milhares de pacientes, não dava a atenção devida e depois de
três consultas ainda não sabia o meu nome. O consultório era forrado de
gente, levava horas para me atender. Demorava para avaliar os exames,
viajava muito ao Exterior para congressos e afins. Enfim, não atendia a
minha expectativa e meu tratamento ficou parado por quase nove meses”,
conta.
Por indicação de um amigo, o jornalista procurou o
CTA Ouro Verde, e iniciou o tratamento. “Apareci no centro numa
sexta-feira com todos os meus exames e disse que gostaria de me
cadastrar no programa. A pessoa que me atendeu foi bastante simpática e
me pediu para esperar, o que levou cerca de 10 minutos. Não estava
lotado, como imaginei. Fiz meu cadastro e fui encaminhado a uma consulta
com o médico que até hoje me acompanha no tratamento”, explica o
jornalista. Além de se tratar com o infectologista, Moneta solicitou uma
consulta com um psicólogo.
“Estava com medo dos efeitos
colaterais do tratamento, mas não tive e não tenho quase nenhum. Além
disso, no mesmo dia já me deram vacina contra hepatite B e marcaram a
segunda e a terceira doses. Numa data em que eu deveria ter ido lá para
coletar sangue para exames, não apareci, pois iria fazê-lo por meio do
meu convênio e esqueci de avisar. O CTA me ligou perguntando por que eu
não tinha ido. Isso, para mim, foi demais. Uma tremenda demonstração de
organização e preocupação com o paciente.”
Moneta destaca
também a organização do serviço prestado pelo CTA. “É muito
profissional, tranquilo, eficientíssimo e humano. Quando finalmente
comecei o tratamento, o médico me deu um cronograma de aplicações,
exames e consultas, tudo de acordo com a data que resolvi começar. As
enfermeiras me deram uma verdadeira aula de como preparar a injeção de
interferon, como e em quais lugares do corpo aplicar, quais cuidados
deveria ter, enfim, tudo mesmo. Recebi seringas descartáveis, algodão
embalado embebido em álcool, caixa para descartar produtos hospitalares e
até antitérmicos, caso eu precisasse”, afirma.
O jornalista
lembra ainda que, no meio do tratamento, sofreu outro problema de saúde
(sem ligação com a hepatite C) e contou com suporte médico do CTA.
“Contatei o médico do CTA e o informei. O Dr. Leandro Cesar Mendes, se
mostrou absolutamente presente e preocupado com esse episódio. Foi
perceptível o cuidado que este profissional teve comigo. Algo que não
precisava ocorrer. Mas ele fez questão”, afirma.
Ponto de vista
Descobri que tinha hepatite C durante exames para minha cirurgia
bariátrica. Como jornalista, já havia entrevistado especialistas no
assunto e procurei a Cláudia Barros do CR/DST Aids para orientação. Ela
me indicou o CTA e lá fui atendido pela Dra. Raquel Tozzo. Foram oito
meses de tratamento, fase difícil e muito debilitante. Só não desisti
por minha força de vontade e por ela, que foi muito profissional e muito
humana. Muitas vezes senti como se ela fosse minha médica de família.
Daquelas que ainda se importam de verdade com você. Recebi vários
e-mails dela para saber como eu me sentia e em todas as vezes que fiquei
mal e pedi orientação fui atendido. Ela também lutou para que eu
pudesse ter acesso aos medicamentos que necessitava. Não há como não
agradecer a ela, às enfermeiras e à equipe do CTA que sempre me
receberam com carinho, sentimento que confesso nunca pensei em encontrar
no serviço público. Isso fez a diferença no tratamento e permitiu que
eu chegasse ao fim completamente curado.
Eduardo Gregori é editor dos cadernos de Cultura e de Turismo do Correio Popular
Onde fica:
CTA Ouro Verde Funciona dentro do Hospital Ouro Verde
Testagam gratuita para HIV e hepatites virais
Atendimento de segunda a
sexta-feira, das 7h às 19h
CR/DST AidsFunciona na Rua Regente Feijó, 637, Centro
Testagem gratuita para HIV
das 10h às 18h
Atendimento das 7h às 20h
Fonte:
http://metropole.rac.com.br/_conteudo/2013/07/capa/leia_mais/77420-nem-da-para-acreditar.html