Religião na política acaba por estimular não apenas o preconceito
(pela dificuldade de aceitar diferenças), como o ódio decorrente de sua
demonstração pública – do que o crescimento da violência homofóbica é
claro indício
Por Marcelo Semer, em seu blog
No afã de defender Marco Feliciano das críticas recebidas por amplos
setores da sociedade, o blogueiro de Veja, Reinaldo Azevedo, disse que
era puro preconceito o fato de ele ser constantemente chamado de pastor.
Infelizmente não é.
Pastor Marco Feliciano é o nome regimental do deputado, como está inscrito na Câmara e com o qual disputou as últimas eleições.
Há vários casos de candidatos que acrescentam a sua profissão como
forma de maior identificação com o eleitorado, como o Professor Luizinho
ou ainda a Juíza Denise Frossard.
Marco Feliciano não está na mesma situação –sua evocação é um claro
chamado para o ingresso da religião na política, que arrepia a quem quer
que ainda guarde a esperança de manter intacta a noção de estado laico.
A religião pode até ser um veículo para a celebração do bem comum, mas seu espaço é nitidamente diverso.
Na democracia, o bem comum é uma construção coletiva e, por natureza,
includente. Quanto mais pessoas fazem parte da decisão, mais ela se
legitima.
A religião é, por si só, excludente, e seus dogmas sobre o bem e o mal não estão sob escrutínio popular.
Suas ‘verdades absolutas’ não fazem parte do ambiente de negociação,
próprio da atividade política. Esta busca, ainda, se amoldar à vontade
social e não apenas forjá-la, como regras rígidas de um credo.
A definição da moral e a punição a quem dela se desvia, que pode ser
até inerente ao religioso, quando consagrado à virtude, não tem espaço
na vida republicana. Regrar os demais por uma concepção própria de vida
não passa de um abuso de direito.
A religião na política acaba por estimular não apenas o preconceito
(pela dificuldade de aceitar diferenças), como o ódio decorrente de sua
demonstração pública – do que o crescimento da violência homofóbica é
claro indício.
Se as leis de um Estado devem valer ao conjunto de seus cidadãos, as
religiosas só alcançam aqueles que se entregam a fé. A catequese
imposta, mesmo que por vias indiretas, como a de impingir a todos a
crença de apenas alguns, é própria de estados teológicos.
Alimentado, todavia, por interesses partidários, dos mais variados
matizes e ideologias, lobbies religiosos estão ganhando trânsito no
governo e também na oposição, seduzidos uns e outros pelo volume de
potenciais eleitores e pela enorme penetração nos meios de comunicação
de massa.
O futuro nos espera, assim, em uma esquina sombria.
O caso Feliciano pode ser maior do que a questão religiosa, mas
resumi-lo ao folclore de suas desastradas declarações, desprezando os
riscos desta vinculação, seria uma tremenda imprudência.
É certo que o episódio vem desgastando os partidos, que relegaram a comissão de direitos humanos a um terceiro escalão.
Mas, ao mesmo tempo, também revelou uma sociedade mais madura,
tolerante e engajada. Que reagiu às vezes com ira, às vezes com graça,
mas quase uníssona em um daqueles momentos de defesa da liberdade que
costumam deixar marcas.
No cálculo eleitoral, no entanto, analistas já preveem que o deputado
deve ter mais votos no próximo pleito, e que todo esse desgaste, enfim,
terá valido a pena para ele.
Pode ser até o mesmo cálculo que outros tantos famosos, como
personagens do escândalo, colunistas do insulto ou humoristas da ofensa,
costumam fazer quando investem pesado em uma grande polêmica.
Afinal de contas, já faz tempo que aquela regra cínica da política
“falem mal, mas falem de mim”, foi transformada na máxima das
celebridades em busca de atenção: “falo mal para que falem de mim”.
Fonte:
http://www.pragmatismopolitico.com.br/2013/04/religiao-politica-estado-laico.html