Achei esse vídeo por acaso, essa moça é bem It Girl, o
vídeo é direcionado apenas para questão de beleza não há diretamente uma discussão
sobre racismo, nada contra muito pelo contrario que bom que nossas meninas tem
um IT Girl Negra, o vídeo também conta, como ela mesma diz, sobre o processo de
transição do cabelo químico para o crespo, na verdade eu trocaria essa palavra
transição para aceitação, afirmação, ou qualquer palavra que traga esse
significado de assumir a sua identidade.
O que me chamou atenção no vídeo é justamente a rotina
de varias meninas negras, novamente, por mais que o vídeo não trate de questões
raciais todos nós sabemos que o principal motivo para ao alisamentos é o
racismo.
Quando assisti refleti sobre varias coisas e me fez
lembrar sobre a minha vida, dessa rotina que um dia já foi minha.
A historia do meu cabelo
por Claudia Arruda - Kaiadi de Matamba
Minha mãe carnal, Dona Angelina, tem um historia muito complicada de
rejeição por ser negra, quando o pai dela se separou da minha vó, ele escolheu
apenas as filhas de pele mais clara pra ir embora com ele, e como minha mãe
tinha a pele mais escura ficou morando com minha vó no interior na Bahia
passando muita dificuldade enquanto as outras irmãs vieram para São Paulo, para
a cidade cheia de possibilidades. Infelizmente minha mãe não conseguiu reverter
o preconceito, a rejeição em luta e ela tem dificuldades com isso até hoje.
Quando era criança eu não gostava de pentear os cabelos por vários
motivos: meu cabelo é crespo então só pode ser penteado molhado com creme,
minha mãe não tinha paciência então doía, além de ficar ouvindo coisas do tipo
“cabelo bom é cabelo liso”.
Primeiro Alisamento
A primeira vez que minha mãe alisou o meu cabelo foi no meu aniversario de 6
anos, não foi com produto químico, ela usou pente quente, um pente de ferro,
que era esquentado no fogo do fogão, quando o pente passava no meu cabelo
sentia cheiro de queimado e era muito comum queimar as orelhas, ou a mão de
quem fazia, esse processo demorava horas, me lembro da minha mãe intercalar com
a minha tia porque doía os braços.
O resultado não era bom, o cabelo ficava liso, mas continuava armado, então
minha mãe enrolava meu cabelo fazendo uma toca esticando, amarrando com
grampos, o mais apertado possível, a cabeça doía, e eu dormia assim, tudo isso
para que no dia seguinte o cabelo amanhecesse mais “baixo”.
Na infância eu tinha 3 penteados:
1º Trança:
Não era como nos dias de hoje, essas tranças lindas, eram tranças soltas, ou
grudadas na cabeça, não era bonito, era bem apertada porque tinham que durar 15
dias. Eu tinha muita dor de cabeça, uma vez a professora mandou um bilhete
dizendo para minha Mãe que eu não podia ir pra escola de trança porque tinha
comportamentos agressivos e não prestava atenção na aula, porque será?
2ª Birotinhos
Eram mini “coques”, parecido daquela moça Gilmelândia da Bahia sabe? Mas ao
contrario dela o meu birotinho não tinha beleza, era um lá, um cá e sempre
ficava dois na frente como se fosse chifres, imagina o que eu ouvia na escola.
3º Cabelo “Liso” no pente
Esse era só pros dias de festa, quando chegava à escola o preconceito
piorava mais um pouquinho, porque de neguinha do sarava eu me tornava neguinha
do cabelo de vassoura.
Ai veio a adolescência...
As melhores amigas da escola sempre eram as garotas brancas, magras, loira e
com o cabelo liso, isso quando não tinha uma japonesa, eu sempre fui a cota na
minha sala, a maior quantidade de garotas negras no colegial era no horário
noturno, justamente porque já tinham a missão de cuidar da casa, dos irmãos
enquanto a mãe trabalhava fora, isso quando elas não deixavam a escola.
Portanto para ser bonita como elas, garotas brancas, magras, loiras e com o
cabelo liso, eu tinha que emagrecer e ter o cabelo liso, já que ficar branca
não era possível, mas antes de partir para o alisamento veio a moda da
franjinha, e como eu ia ter franja?
Meu cabelo é crespo!
Ai uma “amiguinha” da escola, de cabelo liso claro, me disse que era só
fazer uma franja falsa, perguntei como fazia isso, ela disse que era só puxar
uma mecha de cabelo e cortar que ele ia cair sobre a minha testa.
Cheguei em casa cortei o cabelo, depois lavei, ficou todo caído sobre a
testa até secar, quando o cabelo secou...rs
Resultado: parecia aba de boné quando vira pra cima sabe?
Foi quando aprendi que cabelo crespo cresce para cima, ele só cai quando tem
volume, imagina as coias que eu não ouvi na escola. Minha testa, que já não é
pequena, ficou ainda mais em evidencia, e fui chamada carinhosamente de pista
de piche.
A Primeira Química
A primeira vez que eu coloquei química no meu cabelo eu tinha 8 anos, foi em
um salão no terminal central, a cabeleireira ensinou como fazia o processo em
casa, a primeira vez o cabelo soltou os cachos, não ficou liso, a manutenção
era de 6 em 6 meses, ai passou de 4 em 4, 3 em 3 até chegar no mensal.
Meu cabelo caiu e nunca ficou liso como das outras meninas.
Momento cai a ficha
Teve uma vez que ouvi de um dos meus “amigos” que eu só era amiga dele, só
podia frequentar a casa, que seu pai só gostava de mim porque eu era
preta de alma branca por ser filha de uma Mulher Negra com um Homem Branco.
Quando chegava visita eu nunca era apresentada como amiga das japonesas e
sim como a filha da moça que limpa minha casa.
Fiquei quase 2 meses sem ir pra escola porque ouvi no banheiro da escola
minha “amiga” confidenciando para uma outra “amiga", que a mãe a tinha
proibido de conversar comigo porque eu era negra.
Então com o tempo eu fui entendendo que a solução não era alisar o cabelo,
não era emagrecer, que para fazer parte daquele grupo precisava de muito mais,
não bastava agir como branca eu precisa ser branca, a minha pele, a minha cor
incomodava.
Ai me dei conta do que eu estava fazendo comigo e tive o entendimento de que
eu
NÃO QUERIA SER BRANCA, que quando eu sou excluída é o momento em que
eu digo
NÃO QUERO FAZER PARTE DISSO.
Aceitação
Eu só aceitei o meu cabelo, a minha negritude aos 15 anos porque comecei a
participar de encontros da juventude, depois veio a filiação ao PT, o movimento
LGBT, o Candomblé.
Foi o movimento social que me transformou que me disse quem eu era, porque a
escola nunca fez esse papel, muito pelo contrario ela sempre reafirmou que
negro era escravo e ponto, na minha casa esse dialogo racial nunca existiu,
apesar do meu pai ser sindicalista e bem articulado.
Nunca é tarde para retornamos a nossa origem,
nunca é tarde pra reconhecermos a nossa ancestralidade, mas penso que quando a
gente aprende isso tudo desde pequeno, dentro de nossas casas nos livra de
tanto sofrimento, se minha mãe tivesse dito que eu era descendente de Reis e
Rainhas da África teria usado minha coroa há muito mais tempo.